Comecei a escrever este artigo com o objetivo de falar sobre excelência como posicionamento e diferencial. Melhor ainda: excelência como postura e filosofia de vida. Era um bom tema. Afinal, acredito profundamente nisso – que buscar ser melhor é um caminho que vai além do profissional e que faz com que você tenha uma visão diferente da sua missão de vida, dentro e/ou fora da empresa.
Mas depois de uma série de dúvidas que surgiram recentemente nos encontros de mentoria que tenho com grupos de empresários, resolvi abordar algo que talvez seja mais premente. Especificamente, sobre uma lenda urbana que se propagou por aí como história de assombração e acabou virando uma pseudoverdade altamente questionável e que influencia muita gente.
Você se lembra de uma propaganda antiga, de uma bebida chamada Drury’s, em que o seu você de amanhã vinha visitar você hoje, para avisar e recomendar que se comportasse e escolhesse direito?
É mais ou menos a mesma coisa. Vendedores e empresas estão tomando decisões ruins, que parecem boas agora, mas atrapalham seu futuro. Aí o futuro chega.27
Vou começar pelo começo, para você entender bem a lógica e minha linha de raciocínio.
Há alguns dias, uma empresária me escreveu dizendo algo mais ou menos nestas linhas:
“Raul, eu presto serviços de organização de eventos – casamentos, formaturas, batizados e assim por diante. Também fazemos eventos para empresas, mas a maior parte é mesmo para pessoas em momentos importantes das suas vidas. Quando um cliente me contrata, está vivendo um momento único. Provavelmente ele nunca mais me contrate. Então, fazendo seu módulo de reativação de clientes, fiquei pensando se realmente é algo que se aplique a mim. Não seria melhor eu colocar meu foco, tempo, energia e dinheiro em prospecção, por exemplo? Não vejo grandes oportunidades na reativação de inativos.”
Esta é uma dúvida que aparece com muita frequência, principalmente em empresas que têm ciclos de recompra longos – imóveis, colchões, alguns tipos de seguro, carros, motos, aviões, barcos, alguns tipos de viagem. Todo mundo diz a mesma coisa: “Esse cliente não vai comprar mais de mim – logo, esqueço-o”.
De onde surge essa postura?
Do foco no produto/serviço e não do foco no cliente.
É fácil de diferenciar os dois:
- Um vendedor focado no produto/serviço procura clientes que comprem aquele produto/serviço. Se existir possibilidade de aquele produto/serviço ser recomprado rapidamente, com frequência, aí o vendedor cria um relacionamento com o cliente. Se não, depois de vender o cliente é literalmente abandonado, pois o vendedor não vê mais validade ou valor no relacionamento – seu foco passa a estar em buscar novos clientes para o produto/serviço que precisa vender.
- Um vendedor focado no cliente acompanha o cliente na sua jornada de vida. Não apenas de compra. Ou seja, continua-se investindo no relacionamento, pois em algum momento futuro pode existir uma outra recompra.
Neste segundo caso, o profissional entende as necessidades do cliente e ajuda-o a comprar o que ele precisa. O relacionamento está baseado numa possível compra futura e não na compra imediata, que precisa necessariamente existir no primeiro cenário.
Na primeira opção o vendedor está sentado de frente para o cliente. “Eu tenho o que ele precisa, ele tem o que eu preciso, fazemos uma troca. Eu dou um produto/serviço, ele me dá dinheiro e pronto. Negócio fechado, bola pra frente. Próximo!” Esta é a visão.
Na segunda opção vendedor e cliente estão sentados lado a lado. Basicamente, o vendedor passa a ser o cliente. Conforme o cliente vai passando por momentos diferentes, ele pode oferecer novos produtos/serviços, os mesmos, pode não oferecer… enfim, o relacionamento continua.
Num deles o vendedor tem uma postura de caçador (hunter). Sai para caçar e come o que caçar hoje. No outro, planta agora para colher mais à frente.
Pegue por exemplo um corretor de imóveis. Hoje um corretor no Brasil não representa um cliente. Se você se aprofundar e entender um pouco como funciona, verá que o corretor representa o imóvel que está tentando vender.
Um corretor vende um imóvel e provavelmente nunca mais vai falar com o comprador na vida. Sei porque tenho vários clientes na área, alunos em cursos, faço mentoria direto com duas empresas da área etc. É a realidade.
Por que isso? Porque o cliente já comprou o imóvel. O corretor fica pensando: “quando vai comprar de novo? Daqui a cinco, sete, dez anos? Até lá, já morri. Tenho contas para pagar, tem um plantão novo que estão me mandando passar o fim de semana, tem uma campanha de vendas do novo lançamento…”.
Não dá – quando o futuro compete com o curto prazo, é complicado mesmo. O problema é que o futuro sempre chega.
Se uma empresa acabou de começar e não tem carteira de clientes, é óbvio que o foco dela vai ser 100% em prospecção. Se você não tem água ou comida, é melhor garantir isso rápido, ou vai morrer. Mas depois que consegue o básico, se não começa a pensar no futuro, cai numa roda imediatista triste.
Voltando aos exemplos citados anteriormente:
– Pergunto ao diretor de uma grande imobiliária com qual frequência as pessoas se mudam e compram um apartamento novo. Ele responde que, pelas pesquisas que fizeram, em média entre sete e oito anos as pessoas se mudam e/ou compram um imóvel novo (filho/filha casando, saindo de casa, indo para faculdade etc.). A imobiliária tem 15 anos. Quantos dos clientes que compraram seu primeiro imóvel com ela compraram o segundo? Ninguém sabe responder. Quanto tempo, energia, dinheiro foi colocado nisso? Zero (ao mesmo tempo, investe-se mais de um milhão de reais por ano em anúncios).
- Pergunto para a empresária organizadora de eventos se uma pessoa que fez sua formatura com eles pode se casar, ter filhos, organizar batizados, outras comemorações. A resposta é “sim”, certo? Quantas dessas ocasiões ela aproveitou como oportunidade de negócio? Zero. O foco está todo em quê? Em prospecção.
- Pergunto para o empresário da loja de colchões a cada quantos anos uma pessoa troca de colchão. Ele me responde que o certo seria entre cinco e sete anos, dependendo do colchão, mas que a média é de dez. A loja tem 12 anos. Pergunto quantas pessoas que compraram colchões cinco anos atrás, sete anos atrás e dez anos atrás voltaram para trocar seu colchão com eles, na mesma loja. Silêncio absoluto como resposta.
Essas pessoas são todas inteligentes, razoavelmente bem-sucedidas. Não chegaram até aqui por acaso. Mas todas me procuram pois têm vendas estagnadas ou caindo, e querem que eu ajude com ideias que, no fundo, são sempre promocionais e focadas em prospecção.
Quando falo: “Calma, vamos repensar”, consigo até sentir a frustração e a ansiedade.
Entendo que fluxo de caixa é importante e justamente por isso reforço que a melhor estratégia é fidelizar clientes e reativar inativos. Mas todo mundo tem foco em prospecção.
Uma vez, estava visitando um empresário em Salvador (BA) e ele me levou ao depósito onde tinha seu estoque. Abriu a porta e falou, todo orgulhoso: “tudo isso aqui é dinheiro!”.
Lembro que eu respondi: “Não, isso é estoque”.
Não é um debate semântico. É bem fácil de entender. Dinheiro você tem na conta, o cliente dá para você em troca de alguma coisa. Quando algo de valor sai de você e vai para o cliente, o cliente responde com o valor dele (dinheiro, no caso).
Quando olho para uma lista de clientes inativos, eu vejo mais do que estoque. Vejo uma possibilidade muito concreta de transformar aquela lista em $$$.
Mesmo que simples, sem fazer propostas malucas, nunca vi uma campanha de reativação de clientes inativos que fosse deficitária.
Aliás, nunca vi uma campanha de reativação de inativos que tivesse resultados menores do que uma campanha de prospecção.
Aí você olha o que temos hoje no mercado e é só um blábláblá de outbound, funil de prospecção, cadência e aquecimento de leads. E os inativos lá, esperando. Gente/empresas que já compraram de você, mas que, pela lenda urbana vigente atualmente, acabam desvalorizados a ponto de serem considerados “lixão” (termo real, que ouvi numa das empresas – assim chamavam a lista de inativos).
Mesmo que o processo de recompra demore, uma linha inteligente e consistente de comunicação vai ter outros benefícios além da ativação futura desses clientes:
- Reforço de marca (se vai trabalhar branding, há lista melhor do que esta?)
- Indicações e boca a boca (quer influenciador melhor do que um cliente satisfeito?)
- Ideias/sugestões de melhoria, novos produtos/serviços, inteligência de mercado (listagem perfeita para fazer pesquisas, por exemplo)
Note que tudo gira em torno do foco:
- Se eu foco no produto/serviço e vou buscar clientes (melhor termo seria “compradores”, que é a única coisa que realmente interessa nesta situação).
- Se eu foco no cliente e aí vou buscar produtos/serviços que possam lhe interessar/ajudar.
Muita gente está fazendo o primeiro achando (ou só falando mesmo) que está fazendo o segundo.
A melhor saída desta lenda urbana e minha grande recomendação tem sido o marketing de cabeça para baixo. Ao invés de colocar 95% de esforço, tempo e dinheiro na prospecção de clientes, baseando sua lógica num paradigma ultrapassado de lenda urbano, faça um Pareto correto e coloque 80% em clientes (incluindo inativos) e 20% em prospecção. Talvez os números não sejam exatamente esses, mas a lógica é.
Quando fizer uma venda para um cliente, mesmo que uma possível recompra seja só lá no futuro, tenha certeza de que vai continuar presente na vida desse cliente, para que ele se lembre de você na próxima recompra, para que ele te indique, para que ele saiba quem você é. Isso se chama relacionamento.
E quem tem que decidir isso é a empresa, não o vendedor. Tem que ser uma estratégia da empresa, tem que ter processo, tem que ser algo formalizado, com indicadores, rotinas, reuniões sobre isso.
Cliente ativo é um ativo financeiro. Cliente inativo também é um ativo financeiro. Tome uma decisão financeiramente inteligente e invista nesses ativos. Seu futuro você agradece. E lembre que amanhã chega rápido. Então não use como desculpa a urgência para definir suas prioridades de forma míope. Justamente porque precisamos vender com urgência é que precisamos fazer tudo certo hoje para garantir a venda amanhã.
Abraço e boas vendas,
Raul Candeloro
Artigo cedido pela Revista VendaMais. Todos os direitos reservados.